domingo, 22 de abril de 2012

O privilégio de casar

 Não tenho nada contra o casamento mas não percebo a obsessão com casar, muito sinceramente, e venho neste texto reflectir acerca de uma ideia que acho muito mais interessante e propositada: a abolição do casamento para heterossexuais, homossexuais e o que mais vos aprouver de ver casado.
                Eu sei que parece uma premissa algo estranha mas, em primeiro lugar, parece-me que faria muito bem à população não se poder casar. Gerou-se todo um complexo à volta do que é estar casado e o que não é estar casado quando, na realidade, o casamento deveria ser apenas o passo seguinte e natural numa relação… Mas deixem-me que vos diga que véus de 3 metros e bolos de 15 andares são tudo menos naturais, assim como todas aquelas mesquinhezas de contas conjuntas e ‘o que é meu é dele ou o que é meu é meu ou ficará ele ofendido se eu quiser manter tudo em separado?’ ou ainda o clássico ‘adopto o apelido dele ou não!?’. Está na altura de descomplexar esta coisa toda e voltar mais às origens! O casamento foi de tal modo destruído por preconceitos e ideias descabidas, que se perdeu o casamento per si e portanto acho que é necessário cessar com esta trapalhada toda para olhar em redor e perceber o que é mesmo esta complicação toda de casar.
 Quer construir um futuro a dois? E não quer deixar de celebrar isso com a família do seu mais que tudo? Compre uma cabra ou quatro galinhas e ofereça ao futuro sogro que sempre é algo mais útil. E não, não estou com isto a querer ser retrógrada e a falar de dotes mas pura e simplesmente de descomplicar o que é simples: quer um símbolo da união? Compre uma casa a dois, que símbolo maior pode querer!? E já imagino os críticos, isso não simboliza nada, afinal eu posso comprar uma casa com o meu melhor amigo que isso não significa que estamos casados mas a realidade é que eu também me posso casar com o meu melhor amigo e isso não significa que estejamos casados, bastava ele ser estrangeiro e estar a tentar adquirir nacionalidade Portuguesa que tínhamos um motivo para casar e ninguém nos podia impedir…
                Obviamente entendo que isto pode chocar as vozes mais conservadoras mas na realidade até pode ser visto como uma defesa do casamento tradicional. Por um lado se não houver casamentos também não existem divórcios. Uma vez que um dos principais problemas dos conservadores são as mutações que o casamento está a sofrer (como por exemplo a permissão a casais do mesmo sexo de contraírem matrimónio), nada o tornará mais imutável do que ser banido – ficará congelado no tempo, para sempre. A santidade ficará para a posteridade, sem o risco de casamentos relâmpagos adolescentes ou crises de meia-idade que levam a cometer loucuras e a destruírem as bases do casamento. Mas como é importante referir todo este problema que levanto põe-se apenas para com os casamentos civis – nenhum problema com os casamentos religiosos, a única alteração a estes seria o despir o casamento católico de qualquer relevância jurídica. Qualquer um seria livre de, na privacidade de sua casa e no conforto do seu lar, fazer o que quisesse… Do mesmo modo que eu sou livre para criar a “religião da Rita” neste momento e decidir que toda a gente deve ter um polvo como animal de estimação na minha religião, os Católicos seriam livres para continuar a casar na Igreja, tal não teria era qualquer vinculação com a lei, porque o casamento não existiria.
                Outro argumento que prevejo ser utilizado é o de que o casamento é um direito e o Estado não nos pode retirar um direito mas a realidade é que uma reflexão mais profunda nos levaria rapidamente a concluir que o casamento não é um direito mas, isso sim, um privilégio que o Estado nos concede. Um direito levaria a que o Estado não tivesse qualquer intervenção na minha escolha de parceiro e apenas protegesse o nosso contrato. A realidade é que o Estado tem uma intervenção e uma regulação a tal ponto interventiva acerca deste tópico, que eu só posso concluir que o casamento é, de facto, um privilégio. Basta pensarmos no casamento homossexual que foi debatido em praça pública como se de uma mera clausula se tratasse e não como se os sentimentos da pessoas que estivessem em jogo ou, indo a algo mais profundo ainda, temos o caso da poligamia – e não falo desta como uma consequência de crenças religiosas. A realidade é que existem famílias que acreditam no poliamor, como uma forma de expressão de sexualidade e interesse romântico, e não vêem sequer a discussão de o casamento poligâmico ser aberta. A mim parece-me que o casamento civil é formulado como um direito quando na realidade não mais é do que um privilégio que, sinceramente, é supérfluo.
                Claro que surge automaticamente também o problema do que fazer àqueles que já contrariaram matrimónio, matéria complexa a nível legal. Afinal seria justo anular-lhes o casamento? Não, não o seria. Proponho assim que estes se mantenham casados e dentro de uma geração ou duas o problema dissipar-se-ia com o renovar geracional. Dissipar-se ia com o avançar do tempo para acabar por, naturalmente, morrer formalmente, porque materialmente custa-me vê-lo como instituição ainda viva, ainda moderna, ainda actual, ainda plausível, ainda…
                Em suma, o que afirmo é que ao contrário do que acontecia há algumas décadas atrás, o casamento já não é um compromisso sério assumido por duas pessoas que pretendem, de facto, construir um projecto comum. É algo efémero e um rito de passagem, que ganhou como evolução natural o divórcio. A durabilidade alterou-se, o conceito sofreu uma mutação e o instituto em si tornou-se caduco. As protecções oferecidas deixaram de fazer sentido ou podem ser substituídas por documentos particulares com o mesmo efeito. A relação familiar criada pelo casamento ao ser vista como paralela à relação existente entre um pai e um filho ou a de dois irmãos, perdeu o lugar neste século.  

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